DO ENQUADRAMENTO LEGAL DAS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
As associações são registradas nos cartórios de pessoas jurídicas de forma legal, por meio de estatuto nos termos dos artigos 46 e 54 do código civil, vejamos:
Art. 46. O registro declarará:
I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;
II – o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;
III – o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;
IV – se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;
V – se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
VI – as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.
Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:
I – a denominação, os fins e a sede da associação;
II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;
III – os direitos e deveres dos associados;
IV – as fontes de recursos para sua manutenção;
V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)
VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução;
VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas. (Incluído pela Lei nº 11.127, de 2005)
Portanto, tem-se que a associação é legalmente constituída e chancelada pelo poder público.
Nesse sentido, o sistema associativo aqui empregado foi contemplado na III jornada de Direito Civil, onde definiu o Enunciado 185, veja-se:
A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizadas pela autogestão. (III Jornada de Direito Civil, enunciado 185, pag.60)
Percebe-se que o enunciado 185, autoriza grupos de ajuda restritos a prestação de serviços sob a forma de autogestão, permitindo desta forma, a união de determinado segmento, como os caminhoneiros, a se unirem e ratearem todos os eventos acontecidos, estes que, não foram aceitos pelas seguradoras.
Sob este enfoque, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal aprovou o projeto de Lei n° 356/2012, o que busca consagrar este enunciado 185 e introduzir no Código Civil, o seguinte artigo:
Art. 777-A. Excetua-se das disposições relativas a este Capítulo, não se constituindo como contrato de seguro, a ajuda mútua organizada por associação civil para fins não econômicos, caracterizada pela autogestão.
1º A adesão ao sistema de ajuda mútua é voluntária.
2º Só há direitos e obrigações recíprocas entre os associados aderentes, restritos a quotas de participação em fundo próprio constituído para a finalidade descrita no § 1º, que terá cadastro de pessoa jurídica específico.
3º O disposto neste artigo será objeto de regulamento e se aplica aos proprietários de veículos de passageiros e caminhões autorizados para a exploração do transporte de cargas e de passageiros.
Neste particular, merecem destaques as razões que deram ensejo à propositura legislativa e aos fundamentos da decisão que a aprovou na CCJ do Senado:
I- RELATÓRIO
O eminente autor, na sua justificação explica que, de acordo com a Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores – FENACAT, o maior problema enfrentado pelos caminhoneiros é insegurança nas estradas. Furtos e roubos de carga e de caminhões afligiriam as empresas transportadoras os caminhoneiros autônomos e suas famílias Para complicar ainda mais a situação, seria cada vez mais difícil fazer um seguro para caminhões. As seguradoras se recusariam a segurar veículos com mais de 15 anos de uso e, quando o fizessem, cobrariam valores impossíveis de serem pagos pelos motoristas autônomos. Infelizmente, ainda segundo a FENACAT, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) vem movendo, pelo menos, trinta ações contra associações de caminhoneiros criadas para cobrir os riscos acima mencionados, sob alegação de que elas estariam comercializando seguro travestidos de “proteção automotiva” e sem sua autorização, estando portanto, à margem da lei. A proposição foi distribuída à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania(CCJ), em caráter terminativo.
(…)
II- ANÁLISE
(…) comprova-se, por ampla documentação que nos foi encaminhada pela entidade referida, a negativa de inúmeras seguradoras na contratação de seguro para determinados tipos de caminhão, em face do ano de fabricação ou de outras especificações técnicas. O prêmio a ser pago, quando do aceite do seguro, extrapola, na maioria dos casos, a capacidade econômica do caminhoneiro, inviabilizando sua contratação e, por via de conseqüência, a exploração autônoma da atividade de transporte de cargas. Nestes termos, e com base inclusive em longo parecer elaborado pelo saudoso professor Antônio Junqueira Filho, da Universidade de São Paulo – US, concluiu que não se pode confundir serviços de proteção de autogestão com seguros. Aqueles exigem mutualidade e estabelecem rateio entre participantes ou estipulam fundo de reserva a partir de contribuições periódicas sem estruturas societária, não abrangendo o mercado de consumo, mas sim um grupo de associados, como é o caso dos caminhoneiros. Já a atividade de seguros abrange o mercado de forma geral, e não pessoas determinadas, sendo a empresa organizada para esta finalidade. Desse modo, “grupos restritos de ajuda mútua” organizados em “autogestão” não devem ser tratados como seguros também do ponto de vista regulatório, por ausência de risco sistêmico. Portanto, os serviços de proteção oferecidos pelas associações da FENACAT podem ser prestados independentemente de autorização ou fiscalização das autoridades reguladoras. Em síntese as associações filiadas a FENACAT são estruturalmente diferentes das sociedades de seguro mútuo, não exercendo atividade securitária. Da mesma forma, os serviços de proteção por autogestão oferecidos a seus associados não correspondem a contratos de seguro, tendo natureza jurídica de contratos de comunhão de escopo para repartição de riscos. Por fim, importante registrar que apesar da omissão do Código Civil de 2002 quanto à figura a afastar-se do modelo regulador outrora previsto entre os artigos 1.466 e 1.470 do revogado Código Civil de 1916, é praticamente consenso na doutrina não haver quaisquer vedação legal à prática. Tanto é assim que o Enunciado nº 185 aprovado na Terceira Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, consagrou entendimento nesse exato sentido.
(Processo nº 0004740-84.2013.4.02.5001 [2013.50.01.004740-4])
Ainda, os tribunais, a cada dia, acolhem o sistema de associação veicular em suas decisões. Nota-se alguns pontos jurisprudenciais ao qual revela total aceitação das associações, apontando total divergência entre as figuras associação e seguradora, cabendo assim, oportunamente, citar parte da sentença proferida pela ilustre Juíza Gislaine de Brito Faleiros Vendramini, titular da Vara Única da Comarca de Urupês/SP:
A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.
(…)
O regime jurídico entre empresas de seguro e tais associações também se distingue. “As sociedades de seguros mútuos têm, como diz o nome, estrutura societária. Os sócios são cotistas da pessoa jurídica cuja função, descrita no objeto social, é segurá-los contra riscos predeterminados. Os status de segurado e de sócio surgem com a simples adesão ao contrato de sociedade, não sendo necessário celebrar qualquer outro negócio jurídico”. Nas associações, “a relação mutualística se perfaz no próprio instrumento de adesão, que une todos os associados participantes por meio de rateio direto ou pelo fundo de reserva”. Os grupos restritos de ajuda mútua, organizados em autogestão, não devem ser tratados como seguros também do ponto de vista regulatório, por ausência de risco sistêmico, podendo atuar independente de autorização ou fiscalização das autoridades reguladoras.
(…)
Os documentos encartados aos autos permitem concluir que os associados se unem visando obtenção de benefícios a todos, que pode incluir ou não o rateio de prejuízos. No caso de prejuízos, como roubo de caminhão de associado, primeiro realiza-se o prejuízo (apuração do valor) para, depois, rateá-lo entre os associados. À luz de tais considerações, conclui-se que a atividade praticada pela AUSTRAU não se confunde com venda de seguros aos associados, regendo-se pelas regras comuns da Constituição Federal e Direito Civil, ou seja, a legislação específica, referente às prestadores de serviços securitários, mostra-se inaplicável ao caso em tela. Em conseqüência, reconhecida a ausência de ilicitude nas atividades da associação requerida e dos requeridos incluídos no pólo passivo, padece de fundamentação o pedido de cessação de suas atividades, bem como de indenização aos associados. Por fim, no tocante ao pedido formulado pelo Ministério Público, visando extração de cópias com remessa à Polícia Federal, diante dos fundamentos da sentença, fica facultado ao próprio autor referida providência. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil.
Vale citar novamente as palavras do ilustre Juiz Federal João Batista Ribeiro, titular da 5ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Minas Gerais, que ressaltou:
Assim, sendo incontroverso que à SUSEP compete, na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP, como órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras, decorre do ordenamento jurídico e da própria natureza das coisas que pode também estabelecer regras e impor restrições visando à proteção dos consumidores, dentro da razoabilidade e da proporcionalidade esperados. Desta feita, mais relevante e efetivo do que medidas judiciais é a elaboração de termos de ajustamento de conduta e convênios que viabilizem o legal e ordinário funcionamento da associação, já que essa entidade realiza função que o Estado confessadamente não consegue desempenhar (…)
Nas jurisprudências apresentadas, em toda sua fundamentação e por meios de outros entendimentos jurisprudenciais demonstra-se perfeita licitude em nosso ordenamento jurídico, que havendo qualquer ilegalidade da associação e que a mesma não negocia seguros conforme legislação especifica aplicável. Vejamos:
0014904-70.2011.4.02.5101 (2011.51.01.014904-8)
RELATORA: EDNA CARVALHO KLEEMANN
APELANTE(S): ASSOCIACAO MINEIRA DE PROTECAO EASSISTENCIA AUTOMOTIVA – AMPLA, EDUARDO PEREIRA DACOSTA,LUCIANA PEREIRA DACOSTA,GABRIELA PEREIRA DAS NEVES
ADVOGADO(S): RENATO DE ASSIS PINHEIRO
APELADO(S): SUSEP-SUPERINTENDENCIA DE SEGUROSPRIVADOS
ADVOGADO(S): PROCURADOR FEDERAL
ORIGEM: 07ª VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
(00149047020114025101)
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. SUSEP. ASSOCIAÇÃO. PROTEÇÃO AUTOMOTIVA. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA.
A despeito das atribuições legais da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP para a fiscalização das operações de seguro e afins (Decreto-lei n.º 73/66), não se verifica, no caso, a negociação ilegal de seguros por associação sem fins lucrativos instituída com o fim de promover proteção automotiva a seus associados. Apesar das semelhanças com o contrato de seguro automobilístico típico, há inegáveis diferenças, como o rateio de despesas entre os associados, apuradas no mês anterior, e proporcional às quotas existentes, com limite máximo de valor a ser indenizado. Hipótese de contrato pluralista, em grupo restrito de ajuda mútua, caracterizado pela autogestão (Enunciado n.º 185 da III
Jornada de Direito Civil), em que não há a figura do segurado e do segurador, nem garantia de risco coberto, mas rateio de prejuízos efetivamente caracterizados. Eventual prática de crime (art. 121 do DL n.º 73/66) há de ser aferida na via própria, mas não há qualquer ilegalidade na simples associação para rateio de prejuízos. Apelação provida. Sentença reformada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região,por unanimidade, na forma do voto da relatora, dar provimento à apelação.
Rio de Janeiro, 14 de julho de 2014.
(0014904-70.2011.4.02.5101 [2011.51.01.014904-8])
Fonte de pesquisa: http://npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?p=868